segunda-feira, 15 de abril de 2013

A Resposta de Caetano Veloso aos Ataques do Pastor Marco Feliciano


Ontem (14/04/2013) no jornal O Globo, do Rio de Janeiro, Caetano Veloso (que escreve todos os domingos para o jornal) resolveu se pronunciar diante das acusações do pastor Marco Feliciano, insinuando que ele (Caetano) teria feito pacto com o dêmonio em troca do sucesso da música "sozinho". O detalhe é que o demônio em questão estava incorporado no corpo de  Mãe Menininha do Gantois. Caetano Veloso reafirma o seu ateísmo e responde de maneira honesta, respeitosa e educada aos ataques do pastor.



O Pastor Marco Feliciano



Assista ao vídeo:



"Alguns anos atrás, um cidadão sentado em um banquinho, fazendo um show com uma viola, cantou uma música cujo nome é 'Sozinho' e em uma semana e meia vendeu 1 milhão de cópias. O pessoal da mídia foi rastrear a música e descobriram que Sandra de Sá gravou a música e Tim Maia também, e ninguém canta melhor que os dois", pregava  Feliciano.


Ao tentar explicar como o tal cidadão (Caetano Veloso) vendeu 1,5 milhão de cópias de um CD com essa musica em 1998, ele cita uma entrevista do cantor baiano afirmando que suas músicas fazem sucesso porque ele era "abençoado pelo diabo".

"Caetano disse 'é simples. O meu segredo é Mãe Menininha do Patuá (sic), antes de gravar eu levo pra ela e canto pra ela. Ela, possuída pelos orixás, diz assim: pode gravar que eu abençoo. Você entendeu ou não? Não subestime o diabo porque ele tem poder", prossegue o pastor no vídeo.

A referência é à Mãe Menininha do Gantois, uma famosa mãe-de-santo na Bahia, que morreu em 1986, 12 anos antes do sucesso de "Sozinho" na voz de Caetano.

Posteriormente, o pastor faz uma comparação entre Caetano, a cantora Lady Gaga a as estrelas da música gospel: "se o diabo vai à Bahia e levanta um que vende 1 milhão de cópias, Deus também levanta os cantores da igreja. Se o diabo tem uma Lady Gaga que canta e encanta, o meu Jesus tem uma Lady Shirley", uma referência à cantora Shirley Cavalhares.

Juntamente com o deputado Marcelo Freixo, artistas globais e ativistas, Caetano participou de um evento no final de março contra Marco Feliciano. 



Curiosamente, a Comissão de Direitos Humanos fez uma audiência pública para ouvir vítimas da contaminação por chumbo, em Santo Amaro da Purificação, cidade natal de Caetano. O cantor emitiu nota dizendo "Se a Comissão fizer algo útil e justo a respeito, mesmo sob Feliciano, aplaudirei a Comissão. O que não quer dizer que aplaudo a escolha do seu presidente".


Segue abaixo o texto de Caetano Veloso sobre essa acusação:

Ainda Feliciano?

Por que mentir tão descaradamente sobre fatos conhecidos?


Nem estou acreditando que volto ao assunto do pastor/deputado/presidente da CDHM. Mas, como muitos devem ter visto, ele mentiu reiterada e estridentemente sobre mim. Há um vídeo no YouTube em que Feliciano, esbravejando de modo descontrolado, diz-se com Deus contra o diabo e, para provar isso, mente e mente mais. As pessoas religiosas deveriam observar o quanto ele está dominado pela soberba. Faz pouco, ele se sentiu no direito de julgar os vivos e os mortos, explicando por meio de uma teologia grotesca a morte dos garotos dos Mamonas e sagrando-se justiçador de John Lennon. Agora, aferra-se à mentira. Meu colega Wanderlino Nogueira notava, com ironia histórica sobre as espertezas da igreja católica, que a mentira não está entre os sete pecados capitais. Mas sabemos que "levantar falso testemunho" é condenado pelo Deus de Moisés. Por que mentir tão descaradamente sobre fatos conhecidos? Será que minha calma observação, aqui neste espaço, de que sua persona pública é inadequada ao cargo para o qual foi escolhido (matizada pela esperança no papel das igrejas evangélicas) o ameaça tão fortemente? Eu diria a pastores, padres, rabinos ou imãs — sem falar em pais de santo e médiuns espíritas, que são diretamente agredidos por ele — que atentassem para o comportamento de Feliciano: como pode falar em nome de Deus quem mente com tão evidente consciência de que está mentindo?

Sim, porque não há, dentre aqueles que prestam atenção no meu trabalho, quem não saiba que, ao cantar a genial canção de Peninha "Sozinho" num show, eu indefectivelmente dizia não apenas que me apaixonara por ela através das gravações de Sandra de Sá e de Tim Maia: eu afirmava que cantá-la ao violão era só um modo de chamar a atenção para aquelas gravações. Como pode Feliciano dizer que "a imprensa foi rastrear" e descobriu que a música já tinha sido gravada por Sandra e Tim? Essas duas gravações eram sucessos radiofônicos. E como pode ele, sem piedade daqueles que com tanta confiança o ouvem em seu templo, afirmar que eu disse em entrevista coisa que nunca disse e nunca diria, ou seja, que o êxito inesperado de minha versão de "Sozinho" se deveu a eu ter mostrado a faixa a Mãe Menininha e esta ter-lhe posto uma bênção que, para Feliciano, seria trabalho do diabo? Mãe Menininha, figura importante da história cultural brasileira, já tinha morrido fazia cerca de dez anos quando gravei a canção.

É muita loucura demais. E muita desonestidade. Aprendi com meu pai os gestos da honestidade — e tomei o ensinamento de modo radical. Me enoja ver a improbidade. Feliciano sabe que eu nunca dei tal entrevista. Mas não se peja de impressionar seus ouvintes gritando que eu o fiz. Ele, no entanto, não sabe que eu jamais sequer mostrei qualquer canção minha à famosa ialorixá. Nem a Nossa Senhora da Purificação eu peço sucesso na carreira. Nunca pedi. Nem a Deus, nem aos deuses, e muito menos ao diabo. Decepciono muitos amigos por não ser religioso. Mas respeito cada vez mais as religiões. Vejo mesmo no cristianismo algo fundamental do mundo moderno, algo inescapável, que é pano de fundo de nossas vidas. Mas não sou ligado a nenhuma instituição religiosa. Eu me dirigiria aqui àqueles que o são.

Os homens crentes devem tomar atitude mais séria em relação a episódios como esse. O que menos desejo é ver o Brasil dividido por uma polaridade idiota, em que, de um lado, se unem os que querem avanços nos costumes, e de outro, os que necessitam fundamentos de fé, ambos gritando mais do que o conveniente, e alguns, como Feliciano, saindo dos limites do respeito humano. Eu preferiria dialogar com crentes honestos (ou ao menos lúcidos). Não aqueles que já se põem a uma distância segura da onda neopentecostal. Eu gostaria de dialogar com um Silas Malafaia, de quem tanto discordo, mas que respeita regras da retórica e da lógica. Marina Silva seria ideal, mas poupemo-la. Não é preocupante, eu perguntaria a alguém assim, que um dos seus minta de modo tão escancarado? É fácil provar que nunca fiz aquelas declarações e é fácil provar que Sandra e Tim tiveram êxito com a obra-prima de Peninha. E que eu louvei esse êxito ao cantar a canção. Foram dezenas de milhares de brasileiros que ouviram. Se Feliciano precisa, para afirmar sua postura religiosa, criar uma caricatura caluniosa dos baianos e da Bahia, algo é muito frágil em sua fé. A maré montante do evangelismo não dá direito à soberba irrefreada. O boneco tem pés de barro. E cairá. Eu creio na justiça e na verdade. Esses valores atribuídos a Deus têm minha adesão irrestrita. Não sei que Deus sustenta a injustiça e a mentira. Ou será que é aí que o diabo está?


Fontes:

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Vida Longa e Próspera
Alberto
     

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